A SAÚDE MENTAL DO NEGRO NO CENÁRIO ATUAL
- O Cotidiano
- 4 de jun. de 2020
- 4 min de leitura
Por Julia Meira

(Foto Reprodução/Black Lives Matter)
Pandemia, protestos pró democracia, movimento ‘Vidas Negras Importam’. Assim tem sido o dia a dia da população negra. Além dos riscos, eles precisam reafirmar verdades diante das muitas invalidações dos perigos que correm. Como isso afeta a saúde mental de pessoas negras?
Segundo o relatório de óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros de 2012 a 2016 feito pelo Ministério da Saúde: “A vulnerabilidade em saúde é constituída pela interação entre o contexto social, cultural, político, econômico e ambiental, entre si e entre os aspectos individuais, criando condições que favorecem certos riscos ou ameaças à saúde.” e que “[...] a cada 10 suicídios em adolescentes e jovens, aproximadamente seis ocorreram em negros e quatro em brancos”.
Conversamos com a psicóloga Carla Castelo do Programa Rede Aquarela da Prefeitura Municipal de Fortaleza e integrante do coletivo Dendê de Luta.
P: Segundo levantamento do Ministério da Saúde, a cada dez jovens que se suicidam no Brasil, seis são negros. Quais os fatores que você enxerga que causam isso? R: “Temos que entender o que é o suicídio. É uma questão multifacetada. Ela nunca tem uma causa única e específica, então, ela é multicausal. E partindo por esse viés, o que seriam esses fatores que influenciam as pessoas a cometerem o
suicídio?! É uma questão bem ampla, porque todos nós enquanto sociedade temos responsabilidade no suicídio das pessoas.”
P: O Brasil é marcado pela violência, a escravidão é prova disso. Como você enxerga a marca dessa violência na saúde mental dos negros, principalmente, os que habitam as periferias? R: “Desde que os portugueses chegaram no Brasil, nós sofremos violações de direitos e com o processo de escravização e quando isso não foi mais possível, os “negros foram libertos”, a partir disso, eles foram para as ruas e começou a constituição das periferias. E isso vai espelhar as violações de direitos atuais, como falta de escola, saneamento básico, acesso a formação e trabalho de qualidade. E isso tudo vai repercutindo na população negra e também vai constituindo sofrimento psíquico que por ventura pode levar ao suicídio.”
P: Estamos vivendo um momento que com certeza entrará para a História. O movimento Vidas Negras Importam tem crescido. Como esse movimento pode afetar a saúde mental da população negra? R: “Eu acredito que com esse aumento, as pessoas podem se sentir um pouco mais acolhidas, porque as outras pessoas estão tendo empatia com as causas das pessoas negras. Mas, também temos que ter um pouco de cuidado para como isso chega, como as pessoas recebem isso, como elas vão acolhendo e absorvendo.”
Também conversamos com três jovens negros que vivem essa realidade, são eles Amanda Maria, Mariana Gomes (18) e Samuel Felipe (19).
P: Segundo um levantamento da Agência Pública, foi constatado que pessoas negras possuem mais chances de morrer por coronavírus do que pessoas brancas. Como você acha que isso acontece? E por quê? [Mariana]: “Devido às desigualdades raciais gritantes no Brasil como a localidade onde moram e o acesso a hospitais e a medicamentos. O por quê a História explica.” [Amanda]: “Bom, acredito que aconteça justamente por conta da desigualdade e pessoas negras ainda são maioria em locais de vulnerabilidade. Essas pessoas não têm tanto acesso à informação e nem a coisas básicas para a higienização necessária nessa pandemia e muitas vezes são tratadas com descaso em situações de emergência.”
P: Isso afeta a sua saúde mental de alguma forma? [Samuel]: “Sim, saber que a falta de suporte pode levar a morte de amigos e familiares meus me deixa bastante preocupado e triste. Virar só mais um nas estatísticas, é revoltante. Consequentemente prejudica minha saúde mental. Ligar a
TV e ver os números de mortos aumentando e as áreas afetadas é onde me encontro. Ouvir, ver a todo tempo te faz pensar, refletir sobre.” [Amanda]: “Isso com certeza afeta minha saúde mental, pois é inevitável não pensar nas formas que eu poderia ajudar se tivesse uma voz mais ativa.” [Mariana]: “Com certeza, isso me traz uma angústia no peito.”
P: O abuso policial para com negros é algo recorrente, não só nos EUA, mas também no Brasil. Isso te amedronta de alguma maneira? [Mariana]: “Sim, se quem jurou proteger me fere então quem vai me proteger?” [Samuel]: “Sim, pois aqui se veem casos como o de João Pedro acontecer, trás muito raiva ouvir e saber que sempre acontece essas injustiças, enquanto nas áreas nobres um burguês pode desacatar um policial por ter dinheiro. E repito que isso é recorrente, pois já teve a rota em São Paulo. E as opiniões do presidente, são conservadoras e radicais, o que impede um cara que dispensa quem não concorda com ele, a fazer um regime militar novamente no país? Não entendo muito sobre política, mas estudei um pouco de história e ouço histórias de amigos. Passo por situações desse tipo. Pode não ser na cara dura, mas só no olhar percebe-se o racismo. Basta pesquisar, e nem todo policial é racista claro, mas é justificável o medo de muitos: pobre, preto e favelado."
P: O movimento Black Lives Matter tomou conta das redes sociais e tem sido extremamente impactante, com certeza vai marcar a história, principalmente com a frase “Fogo nos racistas”. Mas, os manifestantes estão arriscando a vida, por conta da pandemia. Isso te mostra uma fortaleza popular ou te dá medo? [Amanda]: “Os dois, pois sinto que não estou sozinha e isso me conforta bastante. Porém é preocupante saber que tem pessoas que foram obrigadas a sair em plena pandemia pois não são ouvidas quando tentam ser pacíficas, temo pela saúde dos manifestante e pela vida dos mesmos, pois os protestos estão tendo muitas respostas violentas.” [Mariana]: “Fortaleza popular, triste que isso tenha que acontecer durante uma pandemia mas eles não podem tirar mais vidas.”
Nessa quarta-feira (02), a estudante Livia Maria postou em seu Instagram um vídeo com o título “Eu Levanto Minha Voz”, nele, vários jovens negros recitam um texto sobre o momento atual e o racismo. Esses atos mostram a força popular e dão voz a quem mais corre risco.
*Para ver na íntegra, clique na palavra “vídeo”.
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